Um Beijo do Gordo: Um retrato da branquitude na televisão brasileira
Chegou ao auge sem enfrentar obstáculos e viveu uma vida de rei, falecendo em paz consigo.
Comecei a assistir na noite da última segunda-feira, (29 de julho de 2024) à série documental “Um Beijo do Gordo”, que homenageia Jô Soares.
O documentário original Globoplay faz parte do Conversa.Doc tendo sido produzido pela equipe do Conversa com Bial que já havia trazido séries como “O Canto de Nara Leão” e “Vale o Escrito — A História do Jogo do Bicho”.
O primeiro episódio destrincha o início da vida e carreira de Jô Soares, sendo contado por meio de depoimentos novos de pessoas próximas à vida do humorista que marcou gerações nas décadas de 60 e 70.
É lembrado seu programa de humor, na Record, a Família Trapo, escrito em parceria com Carlos Alberto de Nóbrega, que dá seu depoimento ao DOC da Globo. Como também figuras como Claudia Raia, ex-esposa e parceira de Jô durante o Viva o Gordo nos anos 80.
Um ponto que me chamou a atenção foi que, de todos os elogios a Jô Soares, desde o criativo e engajado e irreverente, tanto em seu ciclo social como profissional, Jô não tinha artistas e figuras negras em seu ciclo.
O que mostra que apesar de engajado politicamente, ele não se manifestou em prol de ter diversidade em sua vida e muito menos deu chance de lançar novos talentos não brancos.
A exceção, quando trata de algum tipo de recorte social, fica na figura de Tata Werneck por ser mulher. No restante, seus pupilos são homens brancos de classe média alta do Rio de Janeiro e Niterói, como Fábio Porchat e Marcelo Adnet.
O segundo episódio destrincha o sonho de Jô Soares em querer ter seu programa de entrevistas. Ainda nos anos 70, ele chegou a fazer um projeto chamado Globo Gente, onde fez diversas entrevistas, porém o projeto não foi para frente, pois o Brasil vivia a ditadura militar.
O sucesso com o Viva o Gordo era estrondoso nas noites de segunda-feira e Jô Soares gostaria de ter um programa de entrevista às 20h30 da noite. Porém, o todo-poderoso da Globo, na época Boni, disse não e ainda ameaçou Jô Soares de não poder mais usar a marca Viva o Gordo, já que havia sido registrada no INPI pela Globo.
Em 1988, Jô Soares estava com 50 anos e queria um novo desafio na vida e Silvio Santos, com seu SBT, lhe deu essa chance. E Jô saiu da Globo.
Jô Soares teve o maior salário do SBT em 12 anos de casa, segundo o próprio Carlos Alberto de Nóbrega. Aliás, no início, Jô comandava dois programas, o humorístico Veja o Gordo e logo em seguida estreava seu sonho, o talk-show diário Jô Onze e Meia, que nunca entrava no horário certo no ar.
O programa de entrevistas que Jô tinha em mente era para ser semanal, mas Silvio Santos disse que não seria possível, pois Hebe já tinha um formato de entrevistas uma vez na semana e com Jô Soares diariamente chamaria mais atenção do público.
Os primeiros dois anos do formato foram um sucesso estrondoso, com direito até a políticos brasileiros irem ao programa, fazer denúncias e contarem os bastidores das manchetes que eram estampadas nas capas dos jornais, como foi o caso do irmão do ex-presidente Fernando Collor.
Silvio Santos deu liberdade total ao Jô Soares para tratar o que bem entendesse em seu programa, aliás que fez muito barulho na concorrência. Pois os artistas da Globo em peso queriam ir para o Sofá do Gordo, dar entrevistas e divulgar suas peças, o mesmo vale para artistas e especialistas em diversos assuntos.
Um fato marcante de Jô Soares com seu talk-show era que você não precisava ser artista para aparecer naquele sofá, bastava você ter conteúdo interessante a ser apresentado ao público, o que se criou uma porta para diversas pessoas como: o Dr. Drauzio Varella que foi ao programa mostrar os novos tratamentos de AIDS dos EUA que era uma revolução, porém aqui no Brasil ninguém dava muita bola mesmo o país vivendo uma epidemia.
O segundo episódio destrincha o sonho realizado de Jô Soares no SBT, além da treta que também ocorreu com a Globo proibindo seus artistas de aparecer no programa, podendo somente aparecer 2 artistas contratados da Globo no mês no programa de Jô.
O final do segundo episódio mostra a saída de Jô Soares, voltando para a Globo e levando a Equipe com ele. Carlos Alberto de Nóbrega cita que Silvio Santos até mesmo fez uma contraproposta duplicando o salário que Jô Soares iria receber na Globo.
O terceiro episódio aprofunda a volta de Jô Soares à Globo, comandando seu programa que ocupou por 16 anos a grade da Rede Globo de segunda a sexta, tratando diversos assuntos.
Tata Werneck, Fábio Porchat, Angélica, Andreia Sadi e Natuza Nery voltam ao cenário do Jô para relembrar suas passagens.
Andreia e Natuza fizeram parte do Meninas do Jô, onde uma roda de conversa política inteiramente feminina formada por jornalistas destrinchava os assuntos políticos da semana.
O final do episódio trata sobre o final do programa, com os problemas de saúde do Jô Soares estando cada vez mais presentes.
O quarto e último episódio traz ao público a intimidade de Jô Soares, como foram seus últimos anos, sua intimidade familiar e em casa.
Fala sobre a morte de seu filho, um duro baque em sua vida pessoal e profissional.
Traz depoimentos de Zélia Ducan, Drauzio Varella, Nilton Travassos e seus empregados.
Ao final, descobrimos que as cinzas de Jô Soares foram transformadas num diamante.
Então, pela eternidade aqui na terra, mesmo que sua alma não esteja, mas entre nós, somente na memória, o que restou de sua forma física se transformou num pequeno brilhante, o qual ex-sua esposa carregará pelo resto da vida e será passado de geração em geração.
O documentário se encerra com o final de uma apresentação de Jô no teatro embalado pela música: “O importante é você não perder o riso” Sobem-se os créditos da produção com ilustrações de fotos, mas com um silêncio ensurdecedor ao que parece para representar no público a sensação do vazio.
Acredito que Jô Soares deu sua contribuição generosa aos seus enquanto esteve nesse mundo, seus últimos momentos em vida, ao que foi relatado, foram de extrema lucidez do que estava acontecendo, ele não lutou contra a morte como Faustão na corrida de transplantes de órgãos e cirurgias.
Jô Soares tinha em mente que teve uma boa vida, que o ciclo tinha se encerrado e já tinha feito o que tinha que fazer aqui. Faleceu em paz consigo.
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